quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ariano Suassuna: a sobrevida da cultura muriciense



No último domingo, dia 17 de junho de 2012, Murici vivenciou um de seus momentos mais importantes, enquanto valorização de sua cultura. Por conta da tradicional feira de domingo nem todos puderam ver, mas os que viram não vão esquecer aquele dia que amanheceu diferente e assim caminhou estranhamente até seu anoitecer. Depois do curto tempo de filmagem, mas generosa contribuição que Bye,
Bye, Brasil (1979), de Cacá Diegues, ofereceu a essa cidade do interior alagoano, difícil elencar outro importante momento onde a identidade dessa comunidade se percebesse exposta e, por assim dizer, tivesse alcançado novamente seu apogeu em visibilidade nacional. Entretanto, a história havia de reservar a essa terra de pouco mais de 26 mil habitantes um daqueles dias onde tudo foge à realidade, onde tudo parece mais belo e sincronizado, onde aquilo que fazemos deixa de usar vestes automáticas e ganha vida, sentido e valor aos olhos de outros e, por fim, aos nossos próprios olhos. O Brasil, através do projeto Visões do Brasil – O Nordeste de Ariano Suassuna voltou a procurar o diferente e a olhar para dentro de si, na missão de conhecer a história dos outros e, assim, também a sua. 

Como centralidades desse processo inovador que incluiu Murici em seu roteiro, junto com outras cidades alagoanas históricas, dois personagens se relacionavam intimamente e dividiam os olhares daquela maioria de jovens atentos e surpresos com a parafernália moderna (equipamentos de filmagem) que ajudaria a eternizar uma de suas expressões culturais mais significativas e intrigantes, reflexo de sua gente e da aristocracia dominante. De um lado, a cavalhada, tradição que reserva as lembranças de um tempo de ouro pela proximidade com produções artísticas resignificadas pelos muricienses e agora um dos protagonistas na gravação de um documentário; do outro, nada mais, nada menos que o dramaturgo, romancista e poeta Ariano Suassuna, que orquestrava brilhantemente cada passo a ser seguido pela equipe do SESC nacional e regional em sua visita.


Conheça um pouco dos personagens centrais:

A Cavalhada











Durante os torneios medievais, nascia a atividade que se transformaria numa tradicional celebração portuguesa e na encenação das batalhas entre cristãos e mouros, onde a aristocracia dava demonstrações de suas habilidades de combate em espetáculos públicos. A cavalhada era um treinamento de desempenho nos intervalos das guerras, mas também era um exibicionismo para práticas aristocráticas de conduta impecável por parte do cavaleiro, modos que deveriam ser observados e respeitados pelos espectadores.    



Na composição de sua representação, os atores envolvidos são basicamente: os cavaleiros com vestes azuis (representam os cristãos) e os cavaleiros com vestes vermelhas (representam os mouros). As ferramentas que envolvem essa atividade são: armaduras, lanças e espadas.

Nós, bem como o fizemos em outros inúmeros rituais importados, abrasileiramos também a cavalhada, que passou a se destacar com maior ou menor proporção em todas as regiões do país. O clássico confronto entre os azuis e vermelhos ganha então o tempero verde e amarelo, que rapidamente conquistou públicos diversos e se fez presente no imaginário popular e na identidade nacional. A composição das fantasias e do armamento na cavalhada varia de região para região. Em Murici, os cavaleiros usam as seguintes vestes: camisas de mangas longas (vermelha ou azul); boina (vermelha ou azul); adaga e lança. Algumas provas de destreza são efetuadas durante o ritual, mas a prova central é a retirada da argola com a lança.






Ariano Suassuna



Ninguém mais poderia ajudar a desenvolver um projeto de valorização da cultura nordestina do que Ariano Suassuna. Esse paraibano, nascido em João Pessoa, em 16 de junho de 1927, viveu para defender suas raízes e divulgar as peculiaridades de seu povo. Como dito anteriormente, Suassuna é dramaturgo, romancista e poeta brasileiro, conhecido internacionalmente por suas obras traduzidas em diversas línguas, incluindo um expressivo sucesso nacional, Auto da Compadecida, que passou por adaptação e estreou nas telonas em 2000, mas foi escrito pelo dramaturgo ainda no ano de 1955.



Filho de Cássia Villar e João Suassuna, Ariano Suassuna ocupa desde 1990 a cadeira de número 32 na Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi eleito para a cadeira 18 da Academia Pernambucana de Letras. Em outubro de 2000, Suassuna ocupou a cadeira 35 da Academia Paraibana de Letras.  


Em seu vasto currículo, jamais se desfez da militância em defesa das expressões nordestinas. Dentre suas principais ações, Ariano Suassuna foi idealizador do Movimento Armorial, que tinha como objetivo criar uma arte erudita no uso de elementos da cultura popular nordestina. O movimento envolvia a dança, a música, a literatura, cinema, teatro, entre outros.





O que o Projeto Visões do Brasil – O Nordeste de Ariano Suassuna deixa para Murici?


Não é uma exclusividade de Murici, mas sabemos das dificuldades encontradas quanto ao aprimoramento, manutenção e repasse para as gerações posteriores das expressões materiais e imateriais da cultura popular. Os produtores das riquezas culturais que ajudaram a criar a identidade alagoana são postos à prova todos os dias. Continuar ou não continuar? Geralmente a resposta é negativa quando o adversário é a miséria, a fome. Nem sempre a rica cultura compra comida. A cavalhada em Alagoas talvez não tenha sofrido tanto para promover uma continuidade, pois, como já foi dito, suas raízes são aristocráticas e, normalmente, é essa linhagem quem a sustenta até os dias atuais. No mais, é possível sim estar otimista. A peregrinação de Ariano Suassuna em Alagoas, especificamente em Murici, deve caracterizar o antes e depois da vida de quem produz e de quem consome cultura. É com o exemplo de quem sempre batalhou pela sua valorização que se deve criar o sentimento de um projeto inacabado. A cavalhada de ontem deve garantir a de amanhã, e assim deve ser em outras expressões culturais tão importantes quanto. Afinal de contas, é ou não é a nossa história que está em jogo?


É certo afirmar que o engajamento e estratégia de algumas diretoras escolares e o incentivo de sorteios chamou a atenção dos jovens, que lotaram as arquibancadas. Entretanto, no desenrolar das atividades, o sentimento de quem estava presente era de que todos estavam participando e delirando junto com as locuções fanáticas de quem torcia pelo time azul ou pelo time vermelho, ou seja, a juventude, essa que será a responsável pelo resgate das culturas populares tradicionais e elaboração de outras muitas, estava se reapaixonando pelo seu lugar de morada. Não posso provar que assim o foi, mas é algo que se sente na pele. 

Que tal unirmos forças para preservar e prosseguir?


*Um agradecimento especial aos amigos e colaboradores do projeto Cultura Ao Lado, o fotógrafo Ariston Denison e o pesquisador Claudionor Gomes, que gentilmente me cederam as fotos deste dia marcante para a história de Murici.


*A visita de Ariano Suassuna foi notícia em sites e blogs de Murici. 
Ver: 

*Principal fonte de pesquisa utilizada: Wikipédia.